Lavoro entra com pedido de recuperação extrajudicial após acumular R$ 2,5 bilhões em dívidas

Lavoro entra com pedido de recuperação extrajudicial após acumular R$ 2,5 bilhões em dívidas

Distribuidora de insumos agrícolas do Pátria Investimentos busca reestruturação para enfrentar crise do setor e estabilizar operações. Credores financeiros e produtores rurais seguem em negociações à parte.

 Diante de uma crise prolongada no mercado de insumos agrícolas, a Lavoro – uma das maiores distribuidoras do setor na América Latina – protocolou na Justiça de São Paulo um pedido de recuperação extrajudicial, envolvendo cerca de R$ 2,5 bilhões em dívidas vencidas. O movimento, que já era amplamente especulado no setor, busca proteger a companhia contra execuções e garantir fôlego para atravessar a nova safra.

O plano já conta com a adesão de grandes credores como Basf, FMC e UPL, e agora aguarda homologação judicial. De acordo com o CEO da Lavoro, Ruy Cunha, cerca de 36% a 40% do montante da dívida já tem apoio formal. Para que a reestruturação seja validada, a empresa precisa obter a concordância de mais de 50% do total das dívidas em até 90 dias.

“O momento pede essa iniciativa. Temos confiança de que atingiremos rapidamente esse percentual com os credores restantes”, afirmou Cunha.

A recuperação extrajudicial abrange apenas a divisão brasileira de distribuição de insumos e a Perterra, braço de importação de produtos genéricos do grupo. As operações internacionais da Latam e a Crop Care – voltada à produção de insumos – estão fora do processo.

Dívidas financeiras renegociadas à parte

Além das dívidas operacionais, a empresa ainda soma R$ 1,2 bilhão em obrigações com instituições financeiras, tratadas separadamente em acordos bilaterais. Os investidores do CRA de R$ 420 milhões também foram preservados do processo, com a manutenção dos pagamentos conforme o previsto em contrato.

Segundo o CEO, a negociação com os bancos foi mais direta, dada a menor quantidade de instituições envolvidas. A empresa conseguiu estender os prazos de pagamento em cerca de quatro a cinco anos, ganhando fôlego sem comprometer seu fluxo de caixa no curto prazo.

Modelo de reestruturação: 5 categorias de credores

No plano submetido à Justiça, a Lavoro propõe prazos de pagamento diferenciados para cinco categorias de credores. O foco é garantir o fornecimento contínuo de insumos, um dos maiores desafios enfrentados pelo grupo.

  • Credores Especiais (grandes fornecedores): 100% do principal, corrigido pelo IPCA. Até 20% (ou 40% para dívidas em dólar) podem ser pagos em produtos do estoque. O saldo será quitado em 8 parcelas semestrais entre setembro de 2025 e abril de 2029.
  • Credores Gerais: até 10% em produtos, o restante em 10 parcelas semestrais de setembro de 2025 a abril de 2030.
  • Sementeiros (empresas menores): pagamento integral corrigido pela inflação em 5 parcelas semestrais de outubro de 2025 a setembro de 2027.
  • Credores Pequenos: dívidas de até R$ 50 mil serão quitadas integralmente em parcela única. O excedente será extinto.
  • Credores Não Apoiadores: enfrentarão deságio de 50% e receberão o restante em parcela única corrigida pelo IPCA, somente em junho de 2032.

Após homologado, o plano se tornará vinculativo para todos os fornecedores elegíveis, mesmo os que não participaram das negociações iniciais.

Plano vai além da reestruturação financeira

Além da renegociação de dívidas, o plano da Lavoro prevê um modelo contratual plurianual para padronizar as condições comerciais e garantir o fornecimento contínuo de insumos. A ideia é assegurar previsibilidade na cadeia de suprimentos e evitar novos choques de crédito no setor.

Segundo Cunha, o maior desafio não foi renegociar o passivo, mas garantir condições sustentáveis para o fornecimento futuro. O plano inclui garantias colaterais que ofereçam segurança aos fornecedores, ao mesmo tempo em que protegem a companhia em relação aos volumes adquiridos.

“O fornecedor precisa sentir que está seguro para continuar vendendo, e nós também precisamos garantir um certo volume para manter a viabilidade da operação”, explicou.

Balanço financeiro aponta fragilidade

Em paralelo ao anúncio da recuperação, a Lavoro divulgou resultados preliminares do segundo trimestre do ano-safra 2024/2025. A receita foi de R$ 2,25 bilhões, queda de 27% em relação ao mesmo período do ano anterior. O lucro bruto caiu 28%, somando R$ 366,9 milhões, com margem bruta de 16,3%.

A queda nas receitas foi puxada principalmente pelo varejo agrícola no Brasil, que teve retração de 30%, enquanto o desempenho no varejo da América Latina avançou 4%. Já a Crop Care registrou queda de 30% na receita e 53% no lucro bruto, impactada por incertezas regulatórias e escassez de produtos.

Com a complexidade da recuperação extrajudicial, a empresa decidiu suspender o guidance para o exercício fiscal de 2025, sinalizando que os resultados completos serão divulgados após a consolidação dos ajustes contábeis.

Histórico de prejuízos e cortes drásticos

A crise não é nova. Desde o ano-safra 2023/2024, a Lavoro vem acumulando prejuízos consecutivos:

  • Q1/23-24: prejuízo de R$ 79,6 milhões
  • Q2/23-24: R$ 9 milhões negativos
  • Q3/23-24: salto para R$ 310 milhões
  • Q4/23-24: prejuízo de R$ 796 milhões
  • Q1/24-25: prejuízo de R$ 267,1 milhões

No início de 2025, a empresa anunciou o fechamento de 70 das 187 lojas no Brasil, visando reduzir custos fixos e melhorar a eficiência do capital de giro.

Após a queda da AgroGalaxy, atenção redobrada

Desde a recuperação judicial da AgroGalaxy em setembro de 2024, o mercado passou a monitorar com atenção redobrada a situação da Lavoro. Os dois grupos enfrentavam condições semelhantes: demanda retraída dos agricultores, queda nos preços de insumos e pressões financeiras crescentes.

Um artigo publicado por Eduardo Lima Porto, diretor da consultoria LucrodoAgro, viralizou ao comparar os indicadores da Lavoro com os da AgroGalaxy. Utilizando dados da plataforma Finchat.io, Porto apontou uma relação preocupante de dívida líquida sobre Ebitda superior a 14 vezes.

A publicação gerou alarme e foi amplamente debatida em redes sociais e grupos do agronegócio. Em resposta, a Lavoro organizou reuniões com investidores, fornecedores e até realizou uma chamada com mais de 1.200 colaboradores para rebater os dados divulgados.

De acordos bilaterais à consolidação em plano único

Segundo Cunha, as negociações com credores começaram de forma individual, com apoio do Pátria Investimentos, da consultoria Alvarez & Marsal e do escritório Pinheiro Neto Advogados. A decisão de consolidar tudo em um plano estruturado veio apenas quando ficou claro que acordos isolados não garantiriam a continuidade do fornecimento.

“A recuperação extrajudicial nos dá a segurança jurídica para implementar acordos e preparar a nova safra com mais estabilidade”, concluiu.

 

Fonte: AGFEED


Data: 25/06/2025
Autor: Joubert Jader da Costa